o nuno tocava baixo e morava na rua das acácias
com os pais, num prédio de quatro andares
sem elevador. o pai temia que a morte se aproximasse
em breve e discutia lembranças com o jacinto do rés do chão
para que não lhe parassem os olhos de assegurar
os tempos. a mãe engomava roupa para fora
cosia as costuras aos vestidos de seda, reerguia graças
rires de esperança às raparigas. das três do costume
a raquel ardia-se inteira ao vê-lo chegar. tinha a mania
de acrescentar clareza aos lugares ao prever um caminho
dentro das coisas. o nuno conhecia pedaços de pautas internas
unidas por elásticos, a gaveta da cómoda antiga
com algumas esferográficas ao fundo a carteira em couro
e uma mão de cassetes com algumas, mas poucas gravações
de há treze anos atrás que o levavam a reconstruir
a humanidade. tudo ordenado e sem prantos
que os homens constroem grades de ferro para se defenderem.
o prédio não era muito alto: subíamos descíamos subíamos e descíamos
com a habilidade de guardar o ar todo nos pulmões
se o nuno não aparecesse. éramos só nós as duas
e o mais provável seria ardermos também,
por dentro e sem promessas
seria só a combustão o quente e, de vez em quando
o castanho escuro dos olhos do nuno.