domingo

não basta morrer para ser flor.
não basta morrer para conhecer deus e acreditar no beijo, não nos chega apenas amar a terra excessiva, ser arrastada pela paisagem que os meus seios denunciam.
o que resta depois de uma mentira lógica de palavras?
explica-me a lógica das palavras.
mostra-me a raiz da flor.

segunda-feira

coloco os dedos na frase,
a jarra no centro da mesa, a labareda no silêncio
da cor. o branco. sei muito pouco
do mundo, de mim e desta noite.
encontro-me perto da verdade e longe do tempo.

quinta-feira

fecha os olhos. Fecha-os tranquilamente.
deixa que os teus olhos se fechem
para que eu os possa docemente beijar.


envolve as minhas mãos nas tuas
que eu quero minhas
esta noite.não chores.

não chores amor.
são sempre minhas as tuas lágrimas.
sempre.

quarta-feira

a lua
tecida à boca da noite
ao ouvido do homem mudo:
beija-lhe os lábios.
o homem sente
aves nos ombros, braços
em nudez nos seios arredondados
de mamilos frescos na terra.
sementes cantam na palma da mão
rosas musguentas
sexos feridos
ânsias de um outro beijo.

a lua tecida à boca do homem,
ao ouvido da noite muda:
segreda um olhar e dos lábios
soam aves.
o marinheiro todos os dias chorava antes de partir para o mar.
o marinheiro não tinha família, por isso, chorava antes de partir para o mar.
o barco do marinheiro tinha o nome de lágrima.
o marinheiro não entendia quando os outros marinheiros falavam da tristeza.
tristeza, diziam, é ver o sol depois da praia.
tristeza é partir só e regressar só.
tristeza, dizia o marinheiro:
é perder a lágrima.

Fotografia retirada retirada da net.

Sós...

ele precisa de estar só. ela precisa de estar só.
nada mais. para poderem apreciar a companhia um do outro.
para poderem estar. para poderem ficar.
mais um bocadinho. sós.

segunda-feira

é de lágrimas o quadro que pinto.
são de tinta as mãos que sentes rodopiar em ti.
são tuas, são tuas, criança.
os pescadores procuram a rede por onde lhes escapa o peixe.

as mulheres de saias compridas salgam o peixe e uma mãe estendida na areia acaba de perder um filho. as outras crianças pulam de braços erguidos querendo roubar o sol ao dia. brincam na praia onde os rostos salgados se transformam. trazem a saudade nos olhos as mulheres, os sexos sempre húmidos e o maldito mar por onde lhes escapa a vida. ao fim da tarde a mãe adormece e a luz acaricia-lhe o ventre.os pescadores na noite breve sentam-se nos joelhos e rezam a Deus que lhes guarde as mulheres e os filhos. as mulheres rezam baixinho de mãos dadas. deslizam os olhos sobre o rosto imaculado de nossa senhora e pedem piedade e que lhes guarde os maridos e os filhos.os pescadores procuram os corpos de suas mulheres. amam-se como se fosse a última vez. uma mãe chora o filho que perdera. uma mãe vende o peixe. pagam-lhe o peixe e o sacrifício do mar. rezam baixinho os lábios no tempo, as gaivotas.
0s pescadores procuram a rede por onde lhes escapa o peixe.

domingo

o meu céu é verde porque não é o mesmo céu que as outras pessoas vêm. o meu céu é verde porque sou pequenino e quando vou pela rua de mão dada com o meu pai só vejo verde. também, o céu é lá tão no alto que quase não consigo virar o pescoço para cima para poder vê-lo, por isso, é mais fácil rodar o meu pescoço para a direita e para a esquerda e ver o verde. o meu pai diz que o céu é azul, porque ele é grande e quase que lhe toca com as mãos. eu e os meus irmãos não sabemos muito bem como é o céu do meu pai, mas o nosso deve ser mais bonito, pois corremos e brincamos com ele. o meu pai não brinca com o céu, e depois não compreendo muito bem. dizem-me que quando as pessoas morrem vão para o céu. o céu deve ser muito parado e cheio de pessoas tristes, por isso gosto mais do meu céu verde onde todas as pessoas caminham sobre ele e nem se apercebem que é o céu mais lindo de todos.


quinta-feira














Os mortos circundam a casa

no húmido silêncio da noite. As mãos
desertas acodem o luto
na boca, em desespero. Os olhos
segredam a asfixia das palavras.
O rosto.

fotografia de Elena Vasileva