ela escrevia cartas de amor e algumas tinham
o movimento da luz e das datas inteiras. entre elas
as mãos abertas e o antónimo delas mesmas, às vezes
sobre a mesa até pareciam verdadeiras. pensara muito nisto
e no lume quente do inverno a assinalar o ponto
mais seguro na casa. pensara muito nisto e nas pessoas
que se sentam nos passeios e inventam palavras e alugam quartos
na cidade. depois lembrou-se das putas e do sabor
das pastilhas e do algodão doce na boca, da eternidade
do homem e da maravilha de tudo parecer assim
maior quando se termina uma frase com um para
sempre, meu amor. ela pensara muito nisto e
na terra. disse-me uma vez que a terra e o corpo
eram dissolúveis num tempo comum a todos e que era só isso
que importava que não queria explicar-se que era já noite
que tinha ainda que caminhar muito até chegar
ao outro lado da rua.
domingo
toalha de mesa
não peço que regresses, que fiques.
sentemo-nos apenas no cimo do que vês.
quero ser apenas a mulher carvão
um peixe carvão, talvez um coração carvão
desenhado a lápis, no teu caderno.
também eu sorria
colocavas os punhos dentro de água e depois o rosto e
sorrias. sabe tão bem a água fresca no rosto e eu lembro-me
(ainda) da luz no pouco espaço da casa e depois de mais tarde repetir
sabe tão bem a água fresca no rosto, tinhas razão e agora vê
a película de água que se estende no espelho.
sorrias. sabe tão bem a água fresca no rosto e eu lembro-me
(ainda) da luz no pouco espaço da casa e depois de mais tarde repetir
sabe tão bem a água fresca no rosto, tinhas razão e agora vê
a película de água que se estende no espelho.
de chávena na mão, no café de sempre
perguntei-lhe se gostava de amoras
do chão onde se calculam os passos
das palavras demoradas nos passeios do tempo.
perguntei-lhe pela paz
pelo sorriso dos que não dizem.
tivesse ainda tempo e perguntar-lhe ia se ainda namora com o rui
se comprou casa em sete rios, se ainda adormece a ler
se a sua mãe é viva e se recorda o cheiro dos queques da dona rita,
do nome da filha da dona são.
tivesse ainda tempo e perguntar-lhe-ia pela vanda,
se ainda anoitecem pessoas, por aquele bairro.
a água fria muito tempo no corpo
um dia deixarás de ter um coração completo.
um dia deixarás de ter um coração completo
as tuas mãos serão perfeitas
na largura dos lagos.
as luzes tornar-se-ão ácidas
na largura dos lagos.
as luzes tornar-se-ão ácidas
diante das casas e da tristeza das mulheres.
será o cheiro da acetona que dilui
a entrar primeiro, depois alguém
será o cheiro da acetona que dilui
a entrar primeiro, depois alguém
a cercar de terra o endereço da idade.
lembrarás a renda na caixa de ferro
o fundo vazio do alguidar
lembrarás a renda na caixa de ferro
o fundo vazio do alguidar
a água fria muito tempo no corpo
o plástico na sentença do fogo.
um dia deixarás de ter um coração completo
e serão os filhos dos outros
a recolher os teus olhos
no escuro da cave.
no escuro da cave.
disseste, em modo de segredo, ao meu ouvido
és o meu pássaro de fogo
sobre a planície em sol poente.
sobre a planície em sol poente.
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