domingo

quarto escuro


                                    metade de um século a lançar algarismos para dentro dos ossos.
                                    são agora inúteis as lâmpadas no teu corpo.


imagem retirada da net.

sexta-feira

de repente, uma outra coisa qualquer


                                                                se ainda me amasses
                                                                seria este o nosso código: subir a montanha
                                                                mais alta (eu também) e se lá chegássemos seria o beijo
                                                                a única metáfora a acontecer-nos nesse dia.


fotografia de b.berenika.

ainda a chuva, a cair fria do outro lado

não consegui dizer-lhe a morte e as suas mãos nos meus cabelos.
poderia ainda dizer-lhe que nunca consegui esquecer
a morte das suas mãos as mãos no limite da mesa e ainda a chuva

a cair fria do outro lado. escrevo outra vez sobre as suas mãos
e a morte e esta distância que nos afasta o coração das margens
e depois de uma outra morte que não consigo explicar porque se confunde
com a água e com o coração dos pássaros
com a água que existe no coração dos pássaros
com tudo o que existe dentro do coração dos pássaros.
não consegui dizer-lhe uma morte diferente da sua
nas minhas mãos. não conheço a morte que as outras mãos têm e
é por isso que me é tão difícil amá-las.


rascunho#1


                                                      das mãos de em contra o frio a arredondar o vento.
                                                      dos olhos que estremecem a arredondar no frio.

                                    
escrever e desistir de uma ideia como se bastasse
vê-la crescer no papel de forma e imagem fácil dizias
tudo será pouco depois do esquecimento e mesmo assim
ainda quererás amar a vida.


fotografia de erwin brevis.

mais um bocadinho à janela

este bairro é pequeno e assim sempre que a vejo
chegar ao cimo da rua fico mais um bocadinho à janela e,
às vezes, confundo-a um pouco com o verde das árvores quando
atravessa o jardim. sempre à mesma hora, sempre à mesma hora
e eu a vê-la passar e a limpar os olhos e as manhãs que lá existem.
queria tanto dizer-te que aqui as casas entram para dentro dos corpos
e que se conheci o teu umbigo não foi por acaso que as noites ficaram
mais claras. agora, há mães que dormem e chove menos e os telhados estão
mais limpos neste domingo. chamar-me-ias louco se eu te dissesse
que todos os dias morrem mães e há ainda aquelas que não dormem e
que afirmam que o céu é uma construção sólida de blocos cinzentos.
um mundo cheio de lados contrários ao nosso, um bairro e eu
a ver-te ao longe e ao teu caminho e ao teu cabelo, enormes.