sexta-feira
amor,
quero dizer-te o silêncio das palavras
o sentido longínquo da árvore
renascida da memória do tempo,
o rasgar lento das águas mornas e tranquilas,
a humidade dos gestos firmes
suados de espera e de sonho,
o festim das mãos sempre secretas atentas
quase trágicas cuidando o respirar das noites:
irmãs do medo e das últimas e primeiras colheitas
mães de muitas palavras.
queria escrever-te um poema de terra
o recolher do gado na quietude do olhar,
o entardecer, submisso ao espanto das searas, do trigo
posto na angústia dos meus lábios.
quero contar-te a noite;
a vaidade das primeiras chuvas de Inverno,
o aroma líquido
vindo do seio rompante de mulher
grávida de solidão e de montanha.
as palavras ocupam o espaço do silêncio.
queria dizer-te um poema de vento
onde coubessem as verdadeiras raízes da memória
as grandes verdades do amor
a subtileza de minhas mãos ao tocar as tuas,
ainda os rios
os rios amor,
e o doce néctar das auroras.
Fotografia retirada da net.
quase outono nos teus lábios.
o teu rosto foi esquecido como se esquece um morto.
as luas e as margaridas choram a paisagem.
o tempo reconhece os filhos e sacode a pálpebra húmida.
a claridade avista os navios
e tu agitas os braços junto ao mar.
o teu rosto foi esquecido como se esquece um desconhecido,
nos teus lábios é quase Outono e as Luas e as Margaridas choram o tempo.
a paisagem reconhece os filhos e agita os braços,
junto ao mar o teu riso de poeta.
a claridade avista os navios e tu sacodes a pálpebra ainda húmida.
o silêncio constrói um império nos meus olhos.
as nossas bocas prometem calar-se como se viúvas fossem
à espera de um mundo interior onde as mãos no papel pintassem um quadro
e fossem duas
eternamente
é Outono
para lá morar.
Fotografia retirada da net.
um breve encontro à escuridão dos mortos.
uma mão gravemente leve
ao esculpir da eternidade
dois olhos, uma vontade
reencontra o movimento da terra
viúva de beleza a padecer além do esquecimento.
pertenço-te? ainda sei que sim. toda esta tarde de açucenas a tua presença palpitou funda secreta.chorou calma por ti. consciência inteira de o mundo não ser consciência alguma por ser amor. escrevo tremor. a angústia crente na palavra abraça a voz e grita, grita. não sei como ficar somente na esperança carnal do meu corpo vazio. preciso de ti. de ti e quero morrer contigo. transmutar a noite. pintar de fome o centro do mundo. fundir a dor e a alegria da presença. redimir a origem do amor em saudade e melancolia. procurar a distância – procurar a verdadeira casa da eternidade : vento e silêncio.
Fotografia de Jerry Uelsmann.
eterna de penumbra retorno ao espaço fundo. à evidência brusca
de um olhar sobre as águas firmes. uma paisagem
longa sobre as asas do tempo
definitiva de escuridão
de noite bastar-me-ia para criar um astro
imenso de despedida.
a morte
ferve
forte
fere
dói saber-me com ela
violenta de unidade e poesia.
Fotografia de André Kertész
Dentro as casas são líquidas
Sabem o crepúsculo
das manhãs em círculo
Sabem a iniciação
das flores e das janelas
a forma íntima das mãos
abertas lentas ao respirar cortante das cigarras.
Dentro as casas ouvem-se
o bailado nocturno de uma planície
o silêncio primitivo das palavras
a rota dos grilos
e a casa líquida do tempo onde à noite
todos os girassóis dormem e tombados sonham.
As sombras correntes deslizam afáveis
sobre a vastidão de um olhar tardio,
sabem o perscrutar dos lábios
e o fim
onde dentro as casas são líquidas
e fora os campos são férteis.
Fotografia de Jean Philippe Charbounnier.
quarta-feira
menina
Secretamente as casas dormem na pequena aldeia.
As janelas sonham em ser abertas para poderem amar.
A menina sonha com as bonecas.
As casas dormem para poder amar secretamente.
A menina sonha com a aurora das letras.
Na pequena aldeia as janelas sonham em ser abertas.
Uma boca sopra o tempo.
As janelas sonham em ser abertas para poderem amar.
A menina sonha com as bonecas.
As casas dormem para poder amar secretamente.
A menina sonha com a aurora das letras.
Na pequena aldeia as janelas sonham em ser abertas.
Uma boca sopra o tempo.
terça-feira
sei que o barco ondula nesse mar de fogo que afasta
que a rosa se detém na pupila dos teus olhos e é viva a espiga nos poemas da cidade.
a cidade é uma espécie de miséria pulsando junto ao coração.
cria vozes que surdas te movem, arquiva limpo
o amor no silencio dos pássaros, a terra
redobra os lábios e lança a palavra
redobra os lábios e lança a palavra
que não verte. dentro
da pulsação tudo arde
e o amante leva à boca o arbusto sufocado
junto-me aos homens que têm sede e deserto na garganta
às mulheres que adoecem no teu colo.
e o amante leva à boca o arbusto sufocado
junto-me aos homens que têm sede e deserto na garganta
às mulheres que adoecem no teu colo.
sei que o amor é à tua porta
que na circulação do sangue é o coração que sustém o fogo.
arrumo a casa, estendo roupa na varanda alta e pressinto
que posso ouvir-te
mesmo que morra cega de choro
e de astros.
sei que é possível espetar a espada no muro que divide
pisar os animais e os filhos que morrem
não ter mãos e calar sempre.
que na circulação do sangue é o coração que sustém o fogo.
arrumo a casa, estendo roupa na varanda alta e pressinto
que posso ouvir-te
mesmo que morra cega de choro
e de astros.
sei que é possível espetar a espada no muro que divide
pisar os animais e os filhos que morrem
não ter mãos e calar sempre.
Fotografia de Elena Vasileva.
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