quarta-feira





















os pés não tocavam o chão e eu gostava de ali ficar.
ao lado da fruteira e do cheiro fresco das maçãs
perto do cesto de costura
por cima do mármore branco onde aprendi o amor
pelas tuas mãos. uma agulha subia
a mesma agulha descia e era só ar que respirava
devagar. respirava os restos do tempo, o inverno a subir as paredes.
devagar. enquanto as portas morriam.
porque me ensinas a não chorar? houve um dia em que fingimos
a arrumação dos copos no vidro do armário.
em que foram nossos os dedos
nossos. e perdoaram de mãos dadas.
em que o meu sangue foi teu por dentro da noite.
os pés não tocavam o chão. existias tu
e eu
dançava com os braços alegres
era um ramo que crescia

sempre que cantavas.




Fotografia de Berenika.

terça-feira




















sei que é tua a voz que ouço. que são meus
os pés frios mergulhados no fogo. penso
o amor e uma cadeira, a textura fina do pó
um bago de arroz. o que não sei explicar quando o açúcar se dissolve e se lembra alguém.
ouço-te os passos
a água que corre antes de apagares a última luz
a água que bebes antes de adormecer
o pousar do copo
e a mesa ao teu lado.

Fotografia de Berenika.

quarta-feira





















a folha em cima da mesa.
escrevo que trazes na humidade da boca
o respirar branco de todas as praças
que há um espaço enorme entre estas duas mãos
que as mulheres são belas quando tremem e o dizem.
onde posso gritar o teu nome? pergunto
o modo lento e definido de tudo encontrar.
lembro-te agora. o vermelho vivo e a claridade das janelas
as ruas que recuam quando as olho.
o barro, o vaso de barro e a terra
a respirar dentro dele.

Fotografia de Berenika.



















as coisas tristes são mais pesadas
e o seu peso cresce quando as lembramos.
dizem-me a mesa vazia
o lago que se move e se verte quando não estás.
penso a cicatriz no vidro
o vidro baço e os teus pés ainda molhados pela chuva.
porque não esperas?
são lisas as tuas mãos no meu pescoço
e o lugar é sempre o mesmo

quando nos lembramos.

Fotografia de berenika.