segunda-feira

ela cantava a tarefa árdua do músculo


agora andas com os pés na terra disseram e
até sorriram um pouco quando lhes falei se fecharmos os olhos é
mais fácil de reconhecer os caminhos que nos trazem a casa. a minha mãe
pedia socorro, eu ouvia-lhe o canto e os pés na calçada a afastar o tempo à força
a força dos braços nas tarefas habituais o tremor de um cansaço
o gesto de quem não tem luz só indiferença e ninguém.
a tia lurdes sei que nunca tivera habilidades na terra e
o que lhe vinha ao coração era o que teimava em celebrar
como a força da vida. ambas se escolhiam na tarefa do amor
a minha mãe entrava-lhe para dentro do coração
organizava-lhe a desobediência dos espaços e cantava
e aquele era o lugar de tudo e assim a distância
a que ficavam da morte era por momentos inesperada.
assim se enganavam na solidão. e eu também que as escutava
à espera de um sinal talvez semelhante aos teus joelhos
ao contorno dos teus joelhos quando os unes com ternura, meu amor
de algo foragido que aparecesse e me levasse, algo que só nós
soubéssemos. talvez um pedaço de papel dobrado em quatro e nele
uma outra constelação, um número de telefone, uma mancha de café.

2 comentários:

Graça Pires disse...

"se fecharmos os olhos é mais fácil de reconhecer os caminhos que nos trazem a casa". Também é mais fácil sonhar e dar importância às pequenas coisas do amor...
Um poema para ler e reler. Muito belo.

Susana Miguel disse...

(...)

abracinho, Graça.