segunda-feira

poderás então entrar e não passar pela porta

esta é a casa onde vivo e a morada é a mesma de sempre.
cheia de coisas mortas para além das tuas mãos.
outra vez as tuas mãos, a memória que guardo das tuas mãos.
as nossas e a ternura do dedo mindinho a dar mais segurança ao mundo. 
existem outras memórias que se recolhem na casa sem que tenha
que lhes pedir. elas sabem do tempo e assim deixam-se confundir nas horas e
rapidamente alteram as cores ao outono. aqui há mulheres sentadas
não se veem os olhos porque os perderam quando chegaram
à idade de reconhecer a verdade toda do mundo. é muito pouco o mundo que
existe agora, nesta casa. o pouco que existe vem em silêncio
reúne o cinzento dos tecidos com a memória dos barcos e dos filhos
que nasceram neles e sem mãos. também há mãos antigas
que não trazem destinos dentro delas e, a essas, guardo-as numa caixa
depois de as beijar muito e de lhes prometer o amor. algumas perguntam
pelo vento das ruas e pedem-me que as ofereça aos filhos que nasceram sem mãos.
digo-lhes que existe um fim de tarde em cada dia e que com ele
uma solidão bonita. digo-lhes que dentro dela podem ficar para sempre.

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